É por acaso que nos encontramos no Jardim das Amoreiras, perto do Largo do Rato em Lisboa. Ele senta-se na minha mesa e rapidamente nos descobrimos amigos de longa data, oriundos de freguesias e vivências vizinhas, nascidos quase em simultâneo.
Conversamos animadamente e o tempo voa.
– Onde vamos agora?
– Gostava de ir ao Cristo Rei, visitei-o alguns dias depois da Inauguração e nunca mais lá voltei. Cruzo-me muitas vezes com ele, mas não lhe passo dos calcanhares.
– Ó Homem, vamos já ao alto do Cristo Rei. Mas… e as suas vertigens?
– Só acontecem em Terra, perto do Céu isso passa.
Rimo-nos e seguimos viagem na direcção do Cristo Redentor, enraizado em Almada, curiosamente uma cidade de domínio árabe onde se procurava ouro. Talvez o ouro fosse apenas a incomparável vista da beleza.
Atravessamos a majestosa Ponte sobre o Tejo, que por enquanto ainda não caiu e já tem mais de 50 anos, e chegamos ao destino. Com tranquilidade percorremos alguns caminhos a pé, vemos um antigo casario, dezenas de indústrias em ruínas e várias pessoas ao abandono que se gastaram na Lisnave, na Cuf e em tantas grandes empresas que um dia serviram para pôr pão na mesa. Recebiam o seu salário em dinheirinho vivo (não havia cá transferências bancárias) e até amanhã se Deus quiser. Sabemos hoje como esta gente foi explorada por homens sem escrúpulos que ocuparam cargos de chefia e se encontram altamente condecorados e a gozar sem vergonha a choruda reforma. Olhando para esta margem sul, marginal em todos os sentidos e continuamente devotada ao esquecimento, recordo o que o Marquês de Pombal disse apontando para Almada: «Ali está o cu de Lisboa, os barcos suspeitos devem lá atracar para não chegarem ao coração de Lisboa.»
Chegamos aos pés do Cristo Rei, está um calor infernal e se cheira a suor culpamos mais a extensa fileira de turistas do que os pés do Redentor.
Para diminuir o nível de ansiedade enquanto esperamos, a Câmara de Almada põe-nos a ouvir música gregoriana com 40 graus à sombra de Cristo, uma experiência quase mística que exige uma Fé inabalável.
Avistamos as bilheteiras com um aviso engraçado: «Cristo Rei aceita multibanco.» Será que também Cristo passou a ter conta no Novo Banco e que ficará rico com tantos chineses à porta?
Chegamos à porta do Bom Pastor e lemos «Eu Sou a Porta». Um português dispara logo a rir: «Eu sou o Portas!» O Pastor parece oferecer-nos uma ovelha, o que perto da hora do almoço é uma tentação só refreada pela ilustração lateral dos Dez Mandamentos.
Continuamos a visita, trocando impressões sobre a história deste monumento. Dizem que o Cardeal Cerejeira, Patriarca de Lisboa, visitou o Rio de Janeiro em 1934 e ficou muito impressionado com o Cristo Redentor do Corcovado – «temos que ter um igual!» –, convencendo todo o episcopado português da importância desta Obra Pública.
Com o início da Segunda Guerra Mundial, os Bispos reuniram-se e decidiram: «Se Portugal não entrar nesta carnificina, o Santuário será construído.» Assim aconteceu.
Em Dezembro de 1949 lançaram-se as primeiras pedras com o apoio de uma grande campanha nacional. A obra foi custeada pela população portuguesa e por todas as dioceses de Portugal e do Ultramar, juntando-se uma avultada verba. Em 1959 foi inaugurada.
Chega o momento de entrar no elevador e ascender a uma altitude de 110 metros. Estamos diante da estátua e tiramos as medidas como um alfaiate: o Redentor tem 28 metros, braços de 10 metros e cabeça de 5 metros. As centenas de visitantes disparam as fotografias sobre Lisboa, Costa do Sol, Sintra, Arrábida, Barreiro… Ali também podem apreciar painéis alusivos a passagens bíblicas do Arquitecto João de Sousa. Nesta Torre de Babel lemos em várias línguas que «Deus é Amor».
Vemos uma loja de «recordações religiosas» e atravessamos as capelas: a do Divino Coração de Jesus, com três pinturas a óleo e treze vitrais; a Capela de Nossa Senhora da Paz, com obra de Leopoldo de Almeida e do arquitecto Sousa Araújo, onde se reza a oração das vésperas e o terço e se celebra a Eucaristia; a Capela dos Confidentes do Coração de Jesus onde se encontram relíquias de alguns santos, pinturas a óleo e uma escultura representando a aparição do Arcanjo a Nossa Senhora. Merece uma visita a Sala da Misericórdia com diversas pinturas sob o tema «Da Misericórdia de Deus».
No imenso espaço exterior, à sombra de centenas de oliveiras, temos imagens da Via Sacra, a Cruz Alta de Fátima com quatro metros de altura e um coração que invoca as três virtudes cardeais: Fé, Esperança e Caridade.
Terminamos com um grande abraço à irmã brasileira da Congregação do Apostolado e do Sagrado Coração de Jesus, natural do Rio de Janeiro, agradecendo a sua grande simpatia.
Numa caixa transparente, deposito os meus votos para que Cristo dê muita saúde a todos os meus familiares e amigos.
Despeço-me olhando ao longe para o Cristo Rei, à chuva ou ao sol, sempre de grandes braços abertos para abraçar a Vida de todos nós.
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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Março de 2012)
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