Médio Tejo
Uma região, um jornal
O concelho de Gavião passou a estar dotado de uma Biblioteca Itinerante, a 74ª no país, e que além de levar o gosto pelos livros e a leitura pelas aldeias, terá ainda uma forte missão social, no combate ao isolamento e à solidão, pois irá acompanhar com maior proximidade quem vive afastado das sedes de freguesia e da sede de concelho.
A meio da tarde no Largo da Fonte, na aldeia de Ferraria, freguesia de Comenda, passavam carros a atravessar a localidade. Mas estava tudo calmo, o ambiente tranquilo naquela tarde de sexta-feira, dia 24 de novembro, após o feriado municipal de Gavião. Um gato dormia descansado a sua sesta, alheio aos sons e movimentos, debaixo do banco esverdeado, por baixo do estendal de roupa, aproveitando os últimos raios de sol quente de outono, até que este se escondesse atrás da casa de barras azuladas, mesmo colada à fonte.
Um cão, de pêlo preto desgrenhado, com ar livre e solto, corria alegre. Acompanhava uma freguesa na sua ida à fonte, com balde carregado de pequenas garrafas reutilizadas e um garrafão na outra mão. Seguiram-se mais duas ou três mulheres entre idas e vindas nesta mesma tarefa.
Duas jovens juntam-se ao cenário, e são lembradas por uma conterrânea, que passou por elas na rua, que a Biblioteca Itinerante está para chegar. Naquela zona o pequeno café é o ponto de referência, e vão-se aproximando mais pessoas. Vão-se sentindo carros a entrar na aldeia, e a expetativa foi crescendo, até que… um jipe clássico, em tons bege e vermelho, irrompe no enquadramento da vila e estaciona ali ao lado. É o momento de inauguração, a estreia desta nova valência da Biblioteca Municipal de Gavião.
A bibliotecária Ana Luísa Lucas vem acompanhada de Nuno Marçal, bibliotecário ambulante de Proença-a-Nova, uma referência neste mundo das bibliotecas sobre rodas e responsável pela dinamização da Bibliomóvel de Proença-a-Nova, que há cerca de 17 anos conduz pelo concelho, pelos locais mais isolados e interiores daquele território da Beira Baixa.
Ouve-se o suspirar de uma primeira viagem cumprida; não de alívio, mas de quem vive uma experiência entusiasmante e apaixonante pela primeira vez, calcorreando o território, indo ao encontro das pessoas que dele fazem parte, a bordo de uma biblioteca ambulante.
Olhos curiosos foram-se aproximando, e a vontade de conhecer este novo serviço era tanta, que as pessoas ali se juntaram coladas nas traseiras do jipe, correndo as publicações expostas nas prateleiras.
Segundo Nuno Marçal esta é a 74ª biblioteca sobre rodas a semear cultura, a espalhar o gosto pelo livro e pela leitura e a levar o conforto e a empatia a cada aldeão, através do rosto e das palavras afáveis de quem guia este veículo de combate à solidão e ao isolamento.
Assumindo-se um “bibliotecário simples” mas que padece de uma “doença” que se traduz numa paixão imensa “pelo serviço de bibliotecas metidas em cima de veículos e que andam e que vão e, principalmente, que vão ao encontro daquilo que é realmente importante na biblioteca: não são os livros; não são os computadores. O que é realmente importante nas bibliotecas são as pessoas. Todas as pessoas”.
O bibliotecário traçou um retrato que evidenciou a relevância do papel das bibliotecas itinerantes, pelo facto de irem ao encontro das pessoas e de, por isso, estarem mais próximas e disponíveis.
Os fregueses atentos, muitas senhoras de Ferraria que são alunas na Universidade Sénior, já levavam nas mãos e debaixo do braço a leitura para os próximos dias. Revistas de culinária, livros, e outras. Mas também já faziam o pedido das próximas leituras, mediante a listagem da Biblioteca Municipal. E iam ouvindo atentamente a experiência de quem conduz livros e leitura pelas estradas de outra região, há quase duas décadas.
“Eu trabalho numa biblioteca itinerante há 17 anos, num território semelhante. O concelho de Proença-a-Nova é um território ultra, ultra periférico, onde há pessoas que não sabem ler, mas que de 15 em 15 dias, faça chuva, faça sol, faça neve, ou faça gelo, estão lá à nossa espera. Mesmo que não saibam ler, ou não queiram ler, vão lá porque sabem que estou lá eu que os posso ajudar em coisas tão simples. Como carregar um telemóvel, como uma ajuda qualquer na relação entre o cidadão e o Estado, que às vezes é muito complexa, e porque não ensinar pessoas a usar o seu telemóvel… Coisas simples”, descreveu.
O lado humano e a vertente social das bibliotecas itinerantes foi muito destacado por Nuno Marçal, que deu as boas-vindas à BIG “em nome de todos os que fazem biblioteca pública sobre rodas, um pouco por todo o país”, desejando “bons caminhos”.
O jipe BIG, da Biblioteca Itinerante de Gavião, um Land Rover Defender, é à partida um veículo diferente das habituais carrinhas, ao estilo das carrinhas da Gulbenkian, desde logo por ser um clássico todo-o-terreno. Mas também essa imagem poderá ser um bom augúrio no sentido de conseguir cumprir com a missão de chegar a toda a parte.
“Vai deslocar-se a todas as povoações e resulta do trabalho conjunto de muita gente. Os funcionários de mecânica da Câmara Municipal foram os responsáveis pelo jipe, que a partir de dois veículos propriedade da autarquia fizeram este circular, estar apto para esta nova valência. Os carpinteiros também produziram os armários em madeira que apetrecharam as traseiras do jipe com prateleiras de livros, revistas e jornais”, explicou o presidente de Câmara, José Pio, visivelmente orgulhoso deste projeto.
A ideia partiu da bibliotecária Ana Luísa Lucas, da Biblioteca Municipal de Gavião, que agora partirá ao volante deste jipe, entre aldeias, sendo considerada a grande entusiasta deste projeto que pretende percorrer sobretudo as terras que não são sede de freguesia, pois as sedes de freguesia estão dotadas, nas respetivas juntas de freguesia, de um polo da Biblioteca Municipal.
A BIG vai ser “uma mais-valia para as pessoas, para poderem vir pedir livros emprestados, vir devolver quando já leram e levar um novo” sendo também “uma forma de trazer cultura, e de em determinados sítios do concelho combater o isolamento”.
“Espero sinceramente que esta atividade da autarquia agrade aos nossos munícipes, mas sobretudo que usem. Estar a fazer as coisas e depois não ser usado… não leva a lado nenhum”, disse José Pio dirigindo-se aos munícipes presentes na iniciativa, numa tarde que teve direito a animação com a contadora de histórias Rosa Gonçalves, que narrou uma história da tradição oral com recurso ao adufe.
“Podem sempre pedir um livro ou material que não conste do espólio presente na BIG. Se estiver na lista do que a Biblioteca Municipal tem disponível, é só pedirem, e na vez seguinte virá para ser entregue e corresponder à vontade da pessoa”, explicou, deixando votos para que “desfrutem, usem-no, isso é que é importante”.
A Biblioteca Itinerante de Gavião é uma valência da Biblioteca Municipal que a partir deste mês de dezembro estará ao serviço da comunidade, com um serviço itinerante que vai percorrer todo o concelho com uma frequência bimestral. Vai funcionar de outubro a junho de cada ano.
O objetivo é aproximar as comunidades à biblioteca, dando a oportunidade de acesso ao livro e à leitura a todas as pessoas, de todas as idades, e residentes em qualquer parte do concelho de Gavião.
Formada em Jornalismo, faz da vida uma compilação de pequenos prazeres, onde não falta a escrita, a leitura, a fotografia, a música. Viciada no verbo Ir, nada supera o gozo de partir à descoberta das terras, das gentes, dos trilhos e da natureza… também por isto continua a crer no jornalismo de proximidade. Já esteve mais longe de forrar as paredes de casa com estantes de livros. Não troca a paz da consciência tranquila e a gargalhada dos seus por nada deste mundo.
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