Médio Tejo
Uma região, um jornal
O ministro da Saúde e os secretários de Estado da Saúde e da Promoção da Saúde realizaram esta segunda-feira, dia 23 de outubro, visitas aos concelhos do distrito de Portalegre, no âmbito da iniciativa “Saúde Aberta”. A iniciativa culminou numa sessão no Hospital Dr. José Maria Grande, em Portalegre, mas o dia arrancou em Gavião, com visita pela manhã ao Centro de Saúde da vila pela secretária de Estado da Promoção da Saúde, Margarida Tavares.
“Infelizmente a situação complicou-se muito nos últimos tempos no que toca aos cuidados de saúde primários prestados no concelho”, lamentou desde logo o autarca de Gavião, José Pio (PS), pedindo soluções ao Governo de Portugal.
A receção teve lugar nos Paços do Concelho, com algumas reflexões no Salão Nobre, tendo o presidente de Câmara de Gavião referido que o assunto que ali se debatia “é muito caro a Gavião” e que tem sido causador de desconforto pela atual situação precária quanto à prestação de cuidados de saúde primários.
Destacando Gavião como um “pequeno concelho do Interior do país, com vasto território, com pouco mais de 3.500 pessoas e que sofre de todos os problemas existentes nos territórios com idênticas características e situação”, não deixou de alertar para o facto de “muito embora tenhamos poucas pessoas, a grande maioria são idosas, e estando num concelho extremamente disperso, com 33 povoações, torna-se muito difícil o contacto entre pares”.
“Torna-se indispensável ter um serviço de saúde forte, acompanhado de um serviço social também forte e ativo como é o do Município de Gavião. Não queremos pessoas vítimas de isolamento, muito menos pessoas vulneráveis às investidas de gente sem escrúpulos”, indagou.
O autarca frisou a importância da implementação no concelho de uma Unidade Móvel de Saúde, em 2010, que “mensalmente faz dezenas de deslocações aos locais mais isolados e onde presta um extraordinário serviço de proximidade aos utentes”, e que resulta de uma parceria entre a ARS, a ULSNA e a CM Gavião.
“Até há bem pouco tempo tínhamos três médicos no nosso centro de saúde, que davam também cobertura às três extensões de saúde existentes nas freguesias. Nos últimos tempos, e mais objetivamente desde junho, a situação alterou-se radicalmente: hoje, apenas dispomos de um médico a tempo parcial, o Dr. Cabaço, que pese embora todo o seu esforço e dedicação, é-lhe humanamente impossível dar resposta a todas as solicitações do centro de saúde, quanto mais às extensões. Vivemos, pois, hoje, uma situação dramática no que diz respeito ao acesso aos cuidados de saúde primários no nosso concelho”, enquadrou o autarca.
As extensões, “apesar de terem tido por parte do poder local investimento que as modernizou e adequou às necessidades, estão fechadas por falta de médicos”, acrescentou, indicando também que o Centro de saúde foi inaugurado há cerca de 20 anos, e “precisa urgentemente de uma grande manutenção, sendo que na maior parte do tempo não tem médico”.
“Resta-nos um excelente corpo de enfermagem, pessoal administrativo e auxiliar e o esforço do Dr. Cabaço para manter o centro de saúde com as portas abertas, apesar de, e como se diz em termos clínicos, estar ligado às máquinas”, ilustrou.
José Pio não deixou de falar nas circunstâncias que estão a moldar a realidade dos municípios do Interior, com as autarquias a ter de arregaçar as mangas e preparar formas de incentivar a fixação de médicos, nomeadamente com a atribuição de incentivos financeiros.
“Sra. secretária de Estado, peço-lhe que tenha em consideração este problema, que sei transversal a muitos territórios do Interior. Não é admissível que sejam as autarquias a subsidiarem a vinda de médicos para estes territórios. E, acredite, sei bem do que falo, estamos a atingir um ponto em que é ‘quem dá mais?’. A coesão territorial que tanto falamos também passa por termos cuidados de saúde de qualidade nos territórios de baixa densidade. Aceder a cuidados de saúde é um direito consagrado na Constituição que atualmente não está a ser respeitado no nosso território”, afirmou José Pio, desejando à secretária de Estado “sorte, saúde e muito êxito nesta nobre missão que é ser governante de Portugal”.
Durante a conversa entre os diversos representantes, José Pio notou que a falta de médicos no concelho tem inclusive sido impeditiva do recenseamento de população, que, regressando ao concelho, não altera a anterior morada para garantir que têm acesso a médico noutros locais. Além disso, referenciou que o concelho tem muitos reformados e emigrantes que retornam, além de que muitos idosos regressam integrando os lares do concelho, que têm tido lotação esgotada.
Ali estiveram representantes da ARS Alentejo, da ULSNA – Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano, juntamente com o presidente da Assembleia Municipal de Gavião, Paulo Pires, todos os vereadores do executivo municipal da Câmara Municipal de Gavião e também contando com a presença do médico José António Cabaço e da enfermeira chefe Ana Luísa Carias, representando o Centro de Saúde de Gavião.
Raul Cordeiro, vogal executivo do Conselho de Administração da ULSNA, interveio no momento, anunciando que a partir de janeiro a ULSNA irá alterar a denominação para Unidade Local de Saúde do Alto Alentejo (ULSAA). O responsável fez-se acompanhar de Raquel Bilé, diretora executiva do Agrupamento de Centros de Saúde de São Mamede (Portalegre).
Reiterando a “importância da iniciativa”, referiu que esta visita é sinónimo de esperança de que algumas coisas se resolverão com a vinda de governantes ao território. “É uma expectativa que temos de olhar para a realidade, há coisas que se vão resolver, e outras que têm um caminho para se fazer”, reconheceu.
Raul Cordeiro falou num território “diferenciado” no Alto Alentejo, referindo que o concelho de Gavião “é certamente o concelho mais envelhecido do distrito de Portalegre, um dos mais envelhecidos do país e da Europa”, com um índice de envelhecimento que ultrapassou os 538% nos Censos de 2021.
“Isso traz-nos um conjunto de necessidades, que olhando só para os números, não conseguimos traduzir. Há um conjunto de comorbilidades associadas a uma população com estas caraterísticas, bem sabemos que exige um conjunto de recursos que não são apenas um número; tem de ser algo mais”
O vogal da ULSNA disse que o organismo tem uma excelente relação com os municípios da região, referindo que no caso de Gavião há fácil contacto e marcação de reuniões de trabalho, recordando as últimas sessões em que se debateram estratégias de como atrair e fixar profissionais médicos, ainda que não tenham tido “o êxito que todos gostariam” – uma vez que o único médico com quem estabelecerem um protocolo acabou por desistir do mesmo.
O principal anseio é “ter, com segurança, profissionais para assegurar os cuidados de proximidade muito importantes para esta população”.
“O concelho tem três extensões de saúde, duas delas já requalificadas nos últimos anos, até durante a pandemia, num trabalho articulado entre as juntas de freguesia, o município e a ULSNA, criando bons ambientes de trabalho aos quais depois faltam as peças fundamentais. Os doentes estão lá, e precisamos muito de conseguir encontrar atrativos para os profissionais”, sublinhou, indo mais longe e frisando que as soluções são responsabilidade primeira do Governo, mas que devem ser articuladas entre todos.
“Já percebemos que esse conjunto de atrativos não é apenas trabalho dos municípios, nem trabalho único da ULSNA. É um trabalho de todos, de criar incentivos, umas vezes podem ser materiais, e outras vezes são algo a que eu chamo de salário emocional, num ambiente de qualidade de vida, atrativos que não encontram noutros sítios. Ainda assim, mesmo que façamos isso, temos situações em que não e possível atrair mais profissionais. Por isso era bom que fosse um trabalho de todos, municípios, Unidades Locais de Saúde, do Governo central, para conseguirmos construir um conjunto de incentivos que abarque tudo isso. Agora são os médicos, mas provavelmente, no futuro, podem ser outros profissionais a poderem usufruir desse tipo de incentivos”, reconheceu o representante da ULSNA.
Enumerou, também, as situações particulares no concelho de Gavião, nomeadamente a necessidade de encontrar enquadramento para financiamento que permita requalificar o Centro de Saúde de Gavião, que precisa de obras de manutenção que a ULSNA até ao momento não conseguiu incluir em programas de financiamento comunitário.
Referiu-se também ao facto de as instalações daquele centro de saúde terem boas condições, sendo dotadas de um bom espaço com estacionamento próprio, mas que precisa de obras de manutenção, com um algum investimento, para que fique como novo.
Por seu turno, a secretária de Estado da Promoção da Saúde, Margarida Tavares, manifestou que a sua presença não traria soluções nem novidades sobre os problemas apontados e sobejamente debatidos nos últimos anos no país, mostrando-se recetiva para ouvir o que os autarcas e responsáveis locais tinham para transmitir.
A governante começou por assumir que, com a sua visita, não traria a “resolução dos problemas” que “aparentemente são tão simples”, porque “a única coisa que falta são profissionais de saúde, nomeadamente médicos”.
Notando que é um problema transversal no país, que se encontra a “atravessar um momento de grande dificuldade”, tendo assumido que, apesar dos indicadores demográficos, a necessidade agora sentida “não foi devidamente acautelada”.
“Agrava-se neste momento, e sobretudo depois da pandemia, que agudizou o mal-estar, o cansaço, a desmotivação, até receio, eventualmente. Está a ser muito complexo atrair os profissionais que existem; mesmo os que existem têm outras opções e não estão a escolher as vagas que nós abrimos”, indicou.
Fazendo alusão aos último concursos, em que se teve em conta a abertura de vagas em locais mais carenciados numa tentativa “de direcionar as opções”, deixou a indicação de que os médicos não corresponderam e optaram por abandonar o SNS, dada a falta de opções da sua preferência.
“O que se pretendeu com este concurso foi, pelo menos, não os perder em qualquer lugar que fosse, mesmo que fossem lugares menos carenciados (…) Foi uma opção que permitiu reter logo no imediato quase 92% dos médicos de medicina geral e familiar que terminaram a sua especialidade”, frisou.
Por outro lado, falou em diversas estratégias numa tentativa de aumentar as capacidades formativas na área da medicina geral e familiar, de deslocar essa formação para os lugares problemáticos na região de Lisboa e Vale do Tejo, onde há “situações absolutamente dramáticas”, ainda que reconhecendo que “é diferente”, pois “apesar de tudo, na região de Lisboa e Vale do Tejo, nomeadamente nas zonas urbanas, as opções e a capacidade das pessoas se deslocarem, e as distâncias, são muito mais curtas”.
“As zonas de baixa densidade populacional preocupam-nos mesmo muito (…) Temos ações pensadas que demorarão algum tempo, mas uma das opções é aumentar ao máximo as capacidades formativas a nível hospitalar, para que possam existir capacidades formativas partilhadas”, explicou, notando que “na medicina geral e familiar é difícil termos soluções”.
“Não havendo médicos suficientes em Portugal, a solução passa por tentarmos contratar médicos estrangeiros, estamos a dar vários passos nesse sentido”, indicou a governante.
Deixando, mais uma vez, claro que pesar de não se conseguir resolver o problema no imediato, a sua vinda visa “transmitir que não é um problema esquecido”, ainda que reconhecendo que “agora está ainda mais perturbado o encontrar de soluções, pela dificuldade em termos de negociação dos sindicatos dos médicos, que está a colocar toda a capacidade de resolução em suspenso”.
A secretária de Estado referiu que existem grandes constrangimentos “em termos de disponibilidade” dos médicos, sabendo que a população recorre aos serviços de urgência como uma forma de suprir a falta de médico de família, o que “agrava as barreiras de acesso”.
Falando na onda de contestação com recusa dos profissionais médicos, em alguns locais, em fazer mais horas extraordinárias, não deixou de se referir ao “mau planeamento atroz” que conduziu à atual situação vivida no setor.
Por outro lado, e cumprimentando o único médico, septuagenário, que ainda faz o esforço para atender todos os utentes no centro de saúde de Gavião, lembrou que “as horas incómodas têm de fazer parte do trabalho médico, porque temos de assegurar cuidados médicos 24 horas por dia”, mas disse ter medo que a nova geração de médicos já não vista a camisola como as gerações antigas.
Ainda assim disse esperar outras “virtudes” pelo facto de serem profissionais “muito bem preparados”, mas que não têm “entrega que carateriza os profissionais de saúde das gerações mais velhas”.
Margarida Tavares reconheceu também que “o SNS tem tido uma compreensão e uma ajuda extraordinária das autarquias e municípios, que têm disponibilizado muitos recursos de vários tipos para poder aumentar a atratividade para os profissionais nas várias regiões”.
“Quem me dera que a minha vinda resolvesse ou trouxesse resoluções novas. Não traz, mas não podemos ficar parados lá [em Lisboa], sem vir aos locais onde os problemas existem. É importante, porque por mais que eu diga que não nos esquecemos todos os dias, quando vimos cá, quando ouvimos, levamos uma força renovada, uma vontade renovada, uma indignação renovada, para que sejamos interpelados a fazer o que quer que seja na tentativa de resolver”, afirmou.
Reconhecendo que não se irá agora encontrar o número de médicos suficiente bem como os mecanismos para colocar os médicos de medicina geral onde deviam estar, entende que se devem encontrar outras soluções.
“Não podemos deixar as populações desprotegidas. E hoje em dia há outras formas, há muitos profissionais. O Serviço Nacional de Saúde não são só médicos. São muito mais profissionais, que têm muita importância, e que podem levar tranquilidade, saúde e segurança às populações. Temos de contar com todos, encontrar as melhores soluções, distribuir as tarefas da melhor maneira e encontrar formas de aproximar as pessoas”, defendeu a secretária de Estado.
Perante os votos deixados pelos responsáveis locais, a governante assumiu que precisará de “um pouco de sorte” e também de “algum golpe de asa” para “ultrapassar um momento particularmente difícil” que se vive no país, reconhecendo que “as circunstâncias ditaram os dois anos mais difíceis em termos de dotação e de mudança de alguns paradigmas”, em que se espera haver capacidade “de fazer alguma coisa de melhor”.
A manhã culminou com visita guiada, com tempo contado uma vez que o périplo seguiria para o concelho de Ponte de Sor, tendo a secretária de Estado percorrido todos os corredores, espaços e salas do centro de saúde e verificado na visita, conduzida pela enfermeira chefe Ana Luísa Carias e pelo médico José António Cabaço, onde seria necessário intervir para a melhoria daquela infraestrutura e da prestação de cuidados aos utentes, sendo certo que o espaço foi merecendo elogios e o trabalho ali efetuado pelos profissionais existentes reconhecido.
A governante, também médica de formação, contactou brevemente com os profissionais de saúde, auxiliares e administrativas, mas não deixou ainda de estar perto dos utentes ali a receber cuidados, assimilando as mensagens que lhe iam sendo passadas sobre as necessidades sentidas e a importância dos cuidados de saúde primários na comunidade, num concelho extremamente envelhecido e com localidades muito dispersas, no qual as extensões de saúde assumem papel preponderante no auxílio às populações.
Refira-se que a iniciativa Saúde Aberta no distrito culminou no Hospital Dr. José Maria Grande, em Portalegre, com a presença dos governantes do Ministério da Saúde. Esta iniciativa tem o objetivo de “percorrer o país para dialogar com utentes e profissionais do Serviço Nacional de Saúde e autarcas, com o objetivo de ouvir as pessoas e dar a conhecer investimentos e projetos inovadores em curso de Norte a Sul”.
Formada em Jornalismo, faz da vida uma compilação de pequenos prazeres, onde não falta a escrita, a leitura, a fotografia, a música. Viciada no verbo Ir, nada supera o gozo de partir à descoberta das terras, das gentes, dos trilhos e da natureza… também por isto continua a crer no jornalismo de proximidade. Já esteve mais longe de forrar as paredes de casa com estantes de livros. Não troca a paz da consciência tranquila e a gargalhada dos seus por nada deste mundo.
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