Lisboa recua em restringir o trânsito no centro. Como é noutras capitais europeias? - Lisboa Para Pessoas

Lisboa recua em restringir o trânsito no centro. Como é noutras capitais europeias? – Lisboa Para Pessoas

junho 15, 2024
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Enquanto que Paris, Bruxelas, Londres ou Madrid caminham para tirar carros do centro, a Lisboa de Carlos Moedas dá passos no sentido contrário.
A ZER ABC, o ambicioso projecto apresentado por Medina para restringir o trânsito automóvel na Baixa-Chiado e aumentar o espaço de usufruto das pessoas, está agora na gaveta de Moedas – e dali não vai sair. O novo executivo camarário nunca tinha mostrado vontade de implementar a ZER ABC e confirmou que o projecto fica suspenso em declarações ao semanário Expresso deste fim-de-semana. “A nossa abordagem ao problema do automóvel é gradualista, pedagógica e de melhoria de alternativas. Não é uma abordagem catastrofista ou proibicionista”, explicou Ângelo Pereira, vereador da mobilidade de Lisboa.
De salientar que a ZER ABC tinha sido apresentada em Janeiro de 2020 por Fernando Medina com a expectativa de ser implementada já no Verão desse ano – primeiro com mecanismos físicos que impedissem o atravessamento não autorizado e depois com obras de espaço público que renovassem o aspecto e a vivência da Baixa-Chiado. Mas a pandemia levou à suspensão do programa – Medina disse, então, que não queria ser mais um “factor de dificuldade e perturbação” para os comerciantes. O Lisboa Para Pessoas sabe que nesse adiamento pesou também o recuo no turismo na cidade – sem a dinâmica que esse sector imprime no centro histórico lisboeta, a implementação de uma ZER ABC iria rapidamente ser percepcionada como um flop dado a menor circulação de pessoas na Baixa-Chiado.
A ZER ABC tinha sido adiada para o mandato seguinte e estava no programa de Medina. Mas com o anterior Presidente da Câmara de Lisboa a não renovar o mandato, a bola quente passou para Carlos Moedas, que nunca se tinha mostrado particularmente entusiasmado com a ideia de restringir o trânsito no centro da cidade e que agora colocou-a de lado. Lisboa, que esteve perto de ter uma Baixa-Chiado com menos carros e mais pessoas, dá assim um passo atrás e no sentido contrário ao de outras capitais europeias.
Paris prepara-se para restringir o tráfego não só no coração da cidade, em quatro bairros distintos – o objectivo é criar uma “zona pacífica” e eliminar cerca de metade das 350-550 mil viagens que são realizadas diariamente naquela zona da cidade, correspondentes a tráfego de atravessamento. O projecto está a ser trabalhado com a população e esteve inicialmente previsto para este ano; o timing está a ser apontado para o início de 2024, coincidindo com os Jogos Olímpicos, que irão decorrer na capital francesa.
Numa entrevista ao jornal local Le Parisien, dois responsáveis da Câmara de Paris pelo espaço público e mobilidade explicaram que a utilização do carro naquela “zona pacífica” continuará a ser permitida para moradores, quem trabalhe na zona, comerciantes ou mesmo quem vá visitar amigos ou ao cinema – ou seja, desde que o destino seja aquela zona. A medida destina-se sobretudo a eliminar o tráfego de atravessamento, com excepção de veículos de emergência, transportes públicos, táxis e ubers, carros partilhados, bicicletas e pessoas com mobilidade reduzida. O controlo de acessos será feita com dispositivos tecnológicos de leitura de matrícula e com acções de fiscalização. O Le Parisen nota que a implementação da “zona pacífica” na cidade não é consensual entre as partes políticas – responsáveis de algumas freguesias em redor da zona mostraram-se relutantes em relação ao projecto.
Bruxelas vai implementar, já em Agosto, um novo sistema de circulação no centro da cidade, conhecido como Pentágono (ou Vijfhoek), com o objectivo de reduzir a pressão automóvel e reduzir a poluição. “Todos os moradores, visitantes, clientes, comerciantes e escolares vão assim se beneficiar de bairros mais agradáveis ​​e acessíveis, com ar puro e ruas seguras”, pode ler-se num folheto partilhado pela Câmara de Bruxelas. O município irá alterar o sentido de trânsito de algumas ruas, tornando-as de sentido único, introduzir novas áreas pedonais, criar zonas de acesso limitado a veículos e implementar corredores de autocarros. Estas medidas, no seu conjunto, pretende filtrar o tráfego de atravessamento do Pentágono, que representa, segundo o The Brussels Times, 42% do total de veículos, sem isolar os diferentes bairros. “O plano de circulação vai ter um impacto positivo tanto na segurança rodoviária como na acessibilidade ao Pentágono”, referiu o vereador de mobilidade de Bruxelas.
O plano de Bruxelas passa por aliviar o stress, o congestionamento e a poluição atmosférica no centro da cidade, por oferecer envolventes escolares e áreas residenciais mais calmas e seguras, e por privilegiar o tráfego de quem tenha como destino o Pentágono, tal como Paris quer fazer com a sua “zona pacífica”. As restrições serão implementadas com alterações do espaço público e mudanças nas ruas, em vez de mecanismos de controlo de acessos. Passará a ser privilegiado o estacionamento de longa duração em parques dedicados, parte do espaço hoje alocado ao automóvel será alocado a nova infraestrutura para ciclistas e haverá reforço dos transportes públicos, com oferta que permita chegar ao centro da cidade. A definição do novo esquema de circulação no centro de Bruxelas contou com um processo participativo e as pessoas continuarão a ser ouvidas depois de implementadas as mudanças. Os habitantes de Bruxelas são especialistas nos quais podemos confiar diariamente porque sabem o que é melhor para o seu bairro”, afirmou ao The Brussels Times o responsável do município para a participação cívica.
O Presidente da Câmara de Londres, Sadiq Khan, revelou recentemente que vai alargar a Ultra Low Emissions Zone (ULEZ) – que foi implementada em 2019 e que já tinha sido actualizada em Outubro de 2021 – a toda a área da capital inglesa, a Grande Londres, no próximo ano. A ideia ainda irá passar por um processo de participação pública e será também afinada com os skateholders da cidade, mas Sadiq está preocupado com os níveis de poluição do ar e de congestionamento da capital londrinha; dados recentes, revelados pela Câmara de Londres, indicam que a poluição do ar em Londres está a provocar cerca de 4000 mortes prematuras por ano, com particular incidência nas zonas que ainda não estão cobertas pela ULEZ – ou seja, sobretudo na periferia da cidade. Há ainda um impacto negativo na economia da cidade – o congestionamento terá custado 5,1 mil milhões de libras à cidade só no ano passado.
Expandir a ULEZ é uma questão de proteger a saúde dos londrinhos e a economia da cidade, entende a Câmara de Londres, que prevê menos 200 a 400 mil carros por dia a circular nas ruas de Londres e uma redução das emissões na periferia da cidade em 135-150 mil toneladas. “É uma questão de justiça social – com a poluição do ar a atingir as comunidades mais pobres de forma mais severa. Quase metade dos londrinos não tem carro, mas estão a sentir desproporcionalmente as consequências que os veículos poluidores estão a causar”, entende o Presidente da Câmara de Londres. Sadiq Khan promete apoiar as associações, pequenos negócio, pessoas com mobilidade reduzida e londrinos com salários mais baixos na adaptação à Ultra Low Emissions Zone alargada, permitindo-lhes trocar os veículos mais antigos e poluentes por opções de transporte mais limpas e sustentáveis.
Sadiq Khan admite que a implementação da ULEZ em toda a Grande Londres – tal como a Taxa de Congestionamento, em que os automobilistas têm de pagar 15 libras por dia para aceder à zona central da cidade – são medidas transitórias. Na visão do Presidente da Câmara da capital inglesa, a forma mais simples e justa de resolver a poluição e congestionamento na cidade seria uma taxa por quilómetro cobrada aos automobilistas, consoante as emissões dos seus veículos, o nível de congestionamento da área e o acesso a transporte público.
Em 2018, a Câmara de Madrid, então liderada pela socialista Manuela Carmena, implementou o Madrid Central, uma zona de emissões e tráfego reduzido no centro da capital espanhola. O projecto não teve consenso e o Partido Popular (PP) depressa apresentou uma queixa conta o Madrid Central, argumentando que o executivo de Carmena não tinha tido em conta o impacto económico de 11,7 milhões que as restrições à circulação automóvel teriam nas contas do município, segundo o El País. Em Maio do ano passado, o Supremo Tribunal acabou por dar razão ao PP de José Luis Martínez-Almeida, que agora lidera a Câmara de Madrid e que preparou alterações ao Madrid Central. Martínez-Almeida não suspendeu o programa em vigor nos últimos quatro anos, mas fez-lhe algumas mudanças.
A primeira foi uma mudança de nome. A designação Madrid Central caiu e os logótipos foram removidos das ruas, uma operação que terá custado 185 mil euros à autarquia – a zona passou a designar-se de Distrito Central. A área de abrangência foi mantida, e as restrições para veículos a gasolina anteriores a 2000 e veículos a diesel anteriores a 2006 também. A principal alteração recaiu sobre os comerciantes da zona afecta pelas restrições, que passarão a poder entrar no perímetro restrito com até três veículos por estabelecimento, independemente da sua classificação ambiental. Martínez-Almeida queria também autorizar a circulação de motas por mais uma hora – até às onze da noite em vez de até às dez –, mas a medida não avançou. De resto, o agora Distrito Central mantém excepções para residentes, pessoas com mobilidade reduzida ou veículos de emergência habituais. Os automóveis que, por serem posteriores a 2000 ou 2006, podem entrar no Distrito Central têm de ter um destino na zona, ou seja, não podem simplesmente atravessá-la.
Além do Distrito Central, Madrid implementou em Dezembro do ano passado uma outra ZBEDEP – Zona de Bajas Emisiones de Especial Protecciónna Plaza Elíptica, com o mesmo género de restrições. Trata-se de uma zona mais críticas da cidade em termos de poluição e com a nova medida pretende-se eliminar 18% do tráfego, isto é, 1 472 veículos na hora de ponta de manhã, de acordo com a Câmara de Madrid. Até 2024 há mais algumas excepções além das habituais e já referidas sobre o Distrito Central; por exemplo, quem viva nas imediações da Plaza Elípica e tenha em sua posse um veículo anterior a 2000 (gasolina) ou 2006 (diesel) adquirido em meados do ano passado vai poder continuar a aceder com ele a esta ZBEDEP. A fiscalização destas ZBEDEPs é feita com dispositivos electrónicos de leitura de matrículas.
Paralelamente, a partir de 2025, nenhum veículo a gasolina anterior a 2000 ou a diesel anterior a 2006 poderá circular em Madrid – trata-se de uma ampla Zona de Emissões Reduzidas que a cidade começou a implementar gradualmente a partir deste ano. Numa primeira fase, esta Madrid ZBE (Zona de Bajas Emisiones) vai estar limitada pela autoestrada M-30, que circunda os bairros centrais da capital espanhola; em 2023, vai passar a incluir a própria M-30; no ano seguinte, toda a cidade. Ao mesmo tempo, as restrições para os veículos mais poluentes serão primeiro para quem vem de fora, e só em 2025 incluirão também os residentes de Madrid. O plano integral está a ser comunicado com a marca “Madrid 360”.
Várias cidades europeias estão a trabalhar no sentido de eliminar os carros do centro das suas cidades. Não se tratam de proibições absolutas, mas de condicionamentos que têm em vista sobretudo eliminar o tráfego de atravessamento, salvaguardando o acesso a residentes, comerciantes, transportes públicos, veículos de emergência e pessoas com mobilidade reduzida. Quando se restringe o tráfego automóvel, procura-se uma transferência para formas de mobilidade mais sustentáveis, como o transporte público, a bicicleta ou o caminhar.
Além das grandes capitais, cidades mais pequenas vão procurando restringir o tráfego no seu coração histórico, medida que é geralmente acompanhada por uma requalificação do espaço público, um reforço dos transportes públicos e a alocação do espaço anteriormente ocupado pelo automóvel para o andar a pé ou de bicicleta. O ar torna-se mais respirável, o ruído diminui e as ruas ficam mais seguras. Podemos enumerar aqui exemplos de Bolonha, em Itália, de Nuremberga, na Alemanha, de Ghent, na Bélgica, de Liubliana, na Eslovénia, ou de Pontevedra, em Espanha. E um exemplo que nem sempre é evidente é o de Veneza – uma cidade onde os carros nunca entraram e onde sempre se viveu a pé ou de barco. No entanto, nem sempre é possível mudar uma cidade e Milão, tal como Lisboa, mostra-o.
Lisboa já tem uma Zonas de Emissões Reduzidas (ZER) implementada na baixa e na Avenida da Liberdade, onde é proibida a circulação de veículos que não respeitem determinados limites de emissão de gases poluentes. A ZER de Lisboa foi implementada em três fases, a primeira das quais em 2011. Na 1ª fase, foram interditos veículos anteriores a Julho de 1992 no eixo da Avenida da Liberdade a partir da Rua Alexandre Herculano e na zona da baixa até ao Terreiro do Paço. Foram definidas excepções para os residentes em Lisboa, veículos de emergência, pessoas com mobilidade reduzida, transportes públicos e veículos históricos, e foram também excepcionados dois atravessamentos sem condicionamentos: entre a Praça da Alegria e a Rua das Pretas, e entre a Rua da Conceição e a Calçada de São Francisco.
Com o lema “Mais Lisboa – Menos Poluição, Mais Oxigénio, Respirar Melhor, Viver Mais Lisboa”, a ZER passou a ter duas zonas no ano seguinte. Assim, em 2012, a Zona 1 – a “ZER original” – passou a ser restricta a veículos anteriores a 1996, sendo que passou a haver menos excepções para os lisboetas: apenas os moradores na Zona 1 passaram a poder circular na baixa com os veículos de qualquer idade; os restantes residentes da cidade passaram a ter de aceder à baixa com veículos no mínimo posteriores a Julho de 1992. Em 2012, foi criada uma Zona 2, restricta a veículos anteriores a Julho de 1992, e que abrange uma parte substancial de Lisboa, incluindo as freguesias de Avenidas Novas, Areeiro e Arroios. Esta Zona 2 é limitada a sul pelas avenidas de Ceuta, das Forças Armadas, Estados Unidos da América, Marechal António Spínola e Infante Dom Henrique, e pelo Eixo Norte-Sul, e a norte pelos limites da cidade/rio. EM 2012, foi ainda alargado o horário das restrições: passou das 8-20h para as 7-21h, dias úteis.
Estas duas Zonas da ZER mantém-se hoje em vigor. A 3ª fase da ZER foi implementada em 2015 e aumentou as restrições ao nível da idade dos veículos: a Zona 1 – da Avenida da Liberdade/Baixa – passou a ser proibida a veículos anteriores a 2000; e a Zona 2 ficou condicionada a veículos anteriores a 1996. Apesar destas regras, a ZER de Lisboa tem sido amplamente ignorada, conforme contava em 2018 o jornal O Corvo. Em 2019, os deputados municipais pediam maior fiscalização da ZER e que as normas em relação à idade dos veículos fossem actualizadas, para que o coração de Lisboa ficasse restricto a veículos anteriores a 2005 e uma grande parte da cidade restricta a veículos anteriores a 2000. Mesmo com as ZER em prática – escrevia O Corvo em 2018 –, os níveis de poluição na Avenida da Liberdade continuavam a exceder os parâmetros aceitáveis, principalmente em dias .com vento fraco, altas temperaturas e mais tráfego.
A ZER ABC, tal como apresentava por Fernando Medina em 2020, pretendia criar “uma verdadeira ZER” no coração históricos de Lisboa, juntamente com as ZAACs (Zonas de Acesso Automóvel Condicionado) já existentes no Bairro Alto, Mouraria e Alfama. O plano previa reduzir em 40% o tráfego de veículos na Avenida da Liberdade (a partir da Praça da Alegria), na baixa e o Chiado, alargar as áreas pedonais e privilegiar os acessos por transporte público e modos suaves, como a bicicleta. Residentes continuariam a ter acesso à ZER ABC e poderiam receber visitas de familiares e amigos, comerciantes continuariam a conseguir realizar cargas e descargas; outras excepções estavam previstas, por exemplo, para pessoas com mobilidade reduzida, para veículos de emergência e para carros eléctricos.
Com o anúncio da ZER ABC não foram comunicadas eventuais actualizações às restrições actualmente em vigor. Com o plano suspenso desde a pandemia e com o actual executivo a não ter vontade de o tirar da gaveta, a ZER ABC não deverá ser implementada tão cedo. Não foi anunciado qualquer plano alternativo ou revisto da ZER ABC ou da ZER actual, pelo que Lisboa parece caminhar para trás, contrariamente a cidades como Paris, Bruxelas, Londres ou até mesmo Madrid. No entanto, o actual vereador da mobilidade de Lisboa, Ângelo Pereira, disse ao Expresso que o actual executivo camarário irá apostar na fiscalização da actual ZER, e na melhoria dos transportes públicos e da infraestrutura ciclável na baixa para dar alternativas ao automóvel, e deixou entre aberta uma vontade de pedonalizar zonas do centro histórico que não sirvam de vias distribuidoras de tráfego. “Pretendemos que a Baixa Pombalina seja um espaço onde todas as redes sejam compatíveis e não excluídas. Não defendemos o aumento das restrições e proibições ao cidadão que quer vir à Baixa, para a sua utilização, independentemente do transporte utilizado”, referiu o autarca.

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