Ultrapassados por bicicletas e trotinetes, buzinados no fim: fomos andar de carro a 30km/h com a vereadora de Lisboa que o propõe - CNN Portugal

Ultrapassados por bicicletas e trotinetes, buzinados no fim: fomos andar de carro a 30km/h com a vereadora de Lisboa que o propõe – CNN Portugal

junho 3, 2024
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Patrícia Gonçalves, vereadora do Livre na Câmara de Lisboa, confessa que não testou propositadamente as velocidades máximas de antes de apresentar a proposta. É na sua experiência como condutora na capital que assenta a posição neste tema. “A velocidade média em que me consigo deslocar em Lisboa é relativamente baixa. É da ordem dos 30, 50 quilómetros por hora no máximo.”
A viagem, a bordo do carro da CNN Portugal, começa no Martim Moniz em direção à Avenida Almirante Reis. Aplicando-se os limites do Livre, o percurso inicia-se nos 30 km/h na Rua da Palma, considerada uma via de terceiro nível. Só ao chegar ao Intendente, com a transformação formal na Almirante Reis, é que se tornaria possível circular a 40 km/h, por ser considerada uma via interna de escoamento de trânsito. Hoje são permitidos mais 10 km/h.
O percurso ainda agora começou e o carro, no meio de um pára-arranca fora da hora de ponta, é ultrapassado por uma trotinete na ciclovia. Patrícia Gonçalves explica os objetivos da proposta: reduzir as emissões, a dependência dos combustíveis russos num contexto de guerra e melhorar a qualidade de vida na cidade. “Que tenhamos qualidade de vida sem o automóvel a dominar o espaço público.”
Ao entrarmos na Almirante Reis o nome de Carlos Moedas é trazido à conversa, numa artéria que tem trazido muitos dissabores ao autarca de Lisboa. Patrícia Gonçalves ainda não teve oportunidade de discutir a proposta – aprovada pela oposição – com o presidente ou com o seu executivo. E admite que há falta de “vontade política”.
“Foi apresentada a 11 de abril à Câmara. E só foi levada à reunião a 11 de maio. O que quer dizer que houve um mês para se fazer a discussão da proposta com os intervenientes do executivo e não houve essa reunião feita, nem com o presidente da Câmara nem com o vereador. Não nos contactaram, não tentaram discutir.”
Enquanto a conversa decorre uma bicicleta ultrapassa pela ciclovia o carro da CNN Portugal. A vereadora do Livre faz uma piada, dizendo que o pequeno-almoço do ciclista foi “reforçado”.
Voltando à política: a proposta do Livre, além da resistência na Câmara, está a deixar os empresários agitados. E o Automóvel Clube de Portugal vai avançar com uma providência cautelar para evitar as mudanças. Mas o certo é que não há uma proposta concreta ainda, lembra esta porta-voz do Livre. Cabe ao gabinete do vereador com o pelouro da mobilidade, o social-democrata Adão Pereira, regulamentar essa vontade da coligação negativa na autarquia. Moedas diz que só avança com estudos feitos.
“Acho muito bem que ele estude porque esse é o trabalho deles, do senhor presidente da Câmara e dos vereadores com o pelouro. Porque são eles que têm os serviços sob a sua alçada e são esses serviços que têm os técnicos que podem fazer esses estudos. Nós estamos a fazer proposta política”, diz Patrícia Gonçalves.
Na Almirante Reis, mesmo circulando abaixo dos 40 km/h que o Livre propõe, é necessária uma travagem mais brusca. O sinal ficou vermelho. E Patrícia Gonçalves aproveita a situação para lembrar a grande prioridade desta proposta: evitar acidentes e mortes. A vereadora socorre-se de uns gráficos que integram um estudo da Prevenção Rodoviária Portuguesa. Neles pode ver-se que a probabilidade de morte a 50 km/h é de 45%. A 30 km/h cai para os 5%. “É o tempo de reação humana e o tempo de paragem dos carros.”
Há muito carro para se lidar: em Lisboa entram diariamente cerca de 370 mil veículos. “Não podemos ter as taxas de trânsito e a poluição que temos. O que é preciso é que os transportes sejam melhorados e articulados” –  como os dois autocarros cujas paragens na Almirante Reis obrigam o trânsito, incluindo a viatura da CNN Portugal, a travar no espaço de poucos metros.
Mas o que deveria ser a prioridade? Deve cortar-se a velocidade, dando mais motivos de fúria aos condutores, ou apostar-se numa rede de transportes públicos que os faça desistir do carro? “Vamos ter de fazer tudo ao mesmo tempo. Já não podemos esperar mais.”
Estas mudanças querem promover também a poupança de combustível, mas um estudo indica que haveria custos adicionais de 21 milhões de euros – e essa é uma preocupação dos automobilistas com o “pára-arranca”. Apesar de não conhecer essa análise, a vereadora do Live justifica que terá sido tida em conta uma velocidade constante, que não é possível manter dentro das cidades. Depois, sustenta que os maiores gastos nas zonas de 30 km/h seriam compensados pela redução de velocidade noutros eixos.
 “O pára-arranca não é porque a velocidade está limitada aos 30 km/h. É porque há transito, porque as faixas não estão bem planeadas para a utilização que lhes queremos dar e porque há semáforos. E a semaforização também tem de ser estudada.”
Estes são os limites da proposta: 70 km/h para as vias estruturantes como o Eixo Norte-Sul, 40 km/h para as vias internas de maior fluxo como o eixo do Marquês de Pombal ao Campo Grande e 30 km/h para as restantes vias. “Ninguém está a dizer que vamos amanhã mudar a velocidade nas vias todas de Lisboa. Agora o que aguardamos é uma proposta de implementação que vai ser faseada.” A prioridade, diz a vereadora do Livre, deveria estar nos bairros.
O percurso segue em direção à Avenida de Roma, onde a circulação pode hoje ser feita a 50 km/h. Contudo, a artéria é rodeada por zonas limitadas a 30 km/h, o limite que se passaria a aplicar a este eixo. “O número de mortos é de um em cada 10 por atropelamento se for a 30 km/h. Nove em cada 10 se for a 50 km/h”, argumenta a vereadora.
Mas Patrícia Gonçalves admite que, no processo de estudo, deve fazer parte a reclassificação de certas vias, como a Avenida de Roma, como via de escoamento de trânsito, permitindo uma velocidade máxima de 40 km/h. “É uma questão técnica, os serviços têm de estudá-la”, insiste. Bastaria, por exemplo, a criação de uma ciclovia para que os ciclistas, que hoje partilham a via de duas faixas com os automóveis, ficassem mais protegidos e os condutores pudessem apertar um bocadinho mais no acelerador.
Estamos nos últimos quilómetros de reportagem, segue o carro pela Avenida de Roma a 28 km/h quando se ouve um apito de quem segue atrás. Há protesto com os braços – e uma ultrapassagem. Patrícia Gonçalves falava da sensibilização que é necessário fazer junto dos automobilistas sobre estas mudanças. Perante a buzinadela, acaba por desabafar: “É essa a sensibilização que é preciso. Ele tem ali outra faixa. Toda esta mudança tem de ser feita com as pessoas, as pessoas têm de perceber que é o melhor para a vida delas”.

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